A necessária poética da simplicidade na Educação Infantil

Como 200 metros de caminhada podem afetar a educação de crianças pequenas? Como a contemplação, aliada a um olhar sensível pode qualificar a Educação Infantil? E como tudo isto pode ajudar a construir um ambiente que expresse os direitos e potencialidades das crianças? As respostas às inusitadas perguntas foram dadas durante o V Encontro de Formação e II Formação Itinerante do projeto Paralapracá, que aconteceu em Olinda, entre os dias 11 e 15 deste mês (agosto). E foram compreendidas claramente pela plateia de assessoras, supervisoras, gerentes e coordenadoras pedagógicas, que lotaram o Salão Centenário, do Hotel 7Colinas. Para respondê-las, e demonstrar a importância da poética da simplicidade na Educação Infantil, Paula Strozzi e Vanna Levrini, respectivamente pedagogista e professora na cidade italiana de Reggio Emilia, chegaram com sacolas carregadas de materiais, também inusitados, como folhas, casca de árvores, pedras e sementes.

O uso de materiais deste tipo, segundo as educadoras, é um hábito entre professores das instituições de Educação Infantil na cidade de Reggio Emilia. Embalagens de balas, flores, latas, tudo que possa ser aproveitado e (re) aproveitado é recolhido pela comunidade e doado para as escolas, que o fazem com esmero cuidado em relação ao uso estético desses materiais. Estes colaboram para práticas pedagógicas que visam uma educação ética, calcada em produções artísticas e na construção de novas aprendizagens com as crianças, que fazem uso criativo e belo, mediadas pelas educadoras. Com seus exemplos, Paula e Vanna começaram a despertar nas educadoras presentes a importância e o valor do uso de objetos simples, naturais e reaproveitáveis em seu trabalho. Além disso, foi ressaltado a importância do ambiente como contexto de vida.

O Ambiente

“O ambiente na nossa experiência tem um papel muito importante. Ele expressa os direitos e potencialidades das crianças. Por isso, todas as instituições dedicam um tempo significativo ao seu cuidado”, revelou Vanna Levrini. O diálogo constante entre o contexto interno e externo dos diferentes espaços das instituições, seu uso flexível, o aproveitamento de materiais e o trabalho coletivo na elaboração e na construção destes ambientes são premissas em Reggio.

As educadoras relataram como a participação das famílias é impactante na organização destes ambientes. “Uma equipe formada por professores, pais e arquitetos, cuida de cada detalhe: projeção, construção e reforma do que já existe”, explicaram. Elas, no entanto, ressaltaram que não existe uma escola modelo, uma arquitetura que sirva para todos. “É muito importante existir uma leitura de onde o ambiente está inserido”, disse Vanna Levrini. Para esclarecer ainda mais,por meio de slides, Vanna deu o exemplo de uma escola que foi projetada num edifício industrial dos anos 20. Alguns detalhes estruturais tiveram que ser respeitados por conta das normas arquitetônicas. As fotos revelaram um trabalho coletivo, no qual se pôde perceber a participação até mesmo das crianças.

“Acreditamos que o espaço tem que comunicar e sugerir possibilidades; ser flexível. Quanto mais simples os móveis, maiores as possibilidades de uso. Ela acrescenta ainda que até o momento da escolha dos móveis e ornamentos do ambiente podem, e devem, fazer parte do processo educativo. Por isso, a tendência é evitar os materiais industrializados. “Preferimos recuperar os antigos ou fazer novos. Reaproveitá-los comunica sobre a importância de manter, de preservar as coisas, e sobre a possibilidade de transformá-las, dar-lhes nova vida, novas cores, novas utilidades”.

A partir daí, o papel da professora é acolher todo o ambiente como um grande espaço simbólico e construtivo, e legitimar a possibilidade de mudar os objetos de lugar. “Para as crianças, esta possibilidade significa também aprender a respeitar as escolhas dos amigos”, pontua. Ou seja, cada movimento, cada novo espaço criado demanda uma negociação, uma construção coletiva entre elas.

Outro elemento do ambiente de grande importância na experiência pedagógica em Reggio Emilia são as janelas. “Elas são um instrumento de trabalho, de pensamento”, provoca Paula Strozzi. Na Itália (assim como em outras culturas) as janelas ainda são repletas de imagens de personagens da cultura norte-americana, como o Pato Donald, por exemplo. “As professoras dizem que as crianças gostam muito, mas por que temos que repetir o que é imposto pela cultura de massa?”, questiona. E sugere: “As janelas podem ser instrumentos de valorização do desenho de uma criança que, se feito em papel transparente, por exemplo, e colocado no vidro, possibilita a elas perceber que, contra a luz, sua produção artística torna-se algo diferente”.

Para as educadoras, um ambiente que expresse o contexto no qual se está inserido e possibilite o exercício de participação das crianças – que aprendem pelo fazer, estimuladas pelos materiais oferecidos – é um aspecto importante e revela a qualidade do processo pedagógico.

Os Materiais

“Todos os objetos encontrados nas escolas podem se tornar um material de reflexão e de construção para e com as crianças”, enfatiza Paula Strozzi. Caixas, vasilhas, embalagens, espelhos, redes, tecidos diferentes, tudo pode ser um estímulo para a investigação das diferentes reações e para a construção de aprendizagens. As crianças adoram desenhar? Então o papel é precioso para elas. A educadora sugere a oferta em variedade de cor, espessura e tamanho. “Isto faz com que elas percebam as diferenças entre um e outro”.

“Em Reggio falamos em ateliers (no plural) porque acreditamos que a cultura do atelier permeia todos os espaços da escola, de fora para dentro. Tudo é matéria investigativa para um atelier em Reggio Emíllia”, conta Paula Strozzi. Mas os materiais naturais têm um valor especial em Reggio. “A ideia é explorar o jardim, acolher as sugestões das crianças e executá-las. Não se deve dividir o momento para a dança, para a música, por exemplo. A escola é um espaço de vida, que pulsa de forma integrada e harmônica, a partir de projetos de interesse das crianças, que estão em movimento de investigação constante.  Para isso, é preciso ficar atento à interação das crianças com os materiais, com sua forma, textura, tamanhos, com a vibração que produzem. E provocar por meio da introdução de novos elementos, a exemplo do uso de fontes de luz, como lanternas e velas, que tornam as coisas diversificadamente bonitas e diferentes em cada contexto. Tudo isso permite às crianças criar novas paisagens, investigar, bem como entrar no jogo simbólico, na fantasia”, explica Paula.

A educadora lembra que é interessante separar e misturar materiais naturais e industrializados. “O importante é que esta mistura tenha um significado, um sentido”.

Riqueza

Paula Strozzi e Vanna Levrini chegaram ao Brasil para falar de uma vivência em Educação Infantil referendada em todo o mundo e que coloca a experiência a serviço da reflexão. E fizeram mais que isto! Elas lembraram que para interagir com as crianças é preciso resgatar o olhar sensível e a capacidade de contemplar o mundo em seus pequenos detalhes, aqueles que nos parece insignificante, em sua poética. Para isto, a entrega, o envolvimento e a afetividade precisam estar na linha de frente.

Após o compartilhamento, Paula e Vanna retornaram para a Itália carregando um verdadeiro “baú de tesouros” na sua memória. Foram cascas de árvores, folhas, flores, sementes e pedras; elementos típicos da nossa fauna, riquezas despercebidas pelos nossos olhos, já tão destreinados em enxergar seu valor simbólico, que acabam sendo desperdiçados como fonte de conhecimento para nossas crianças, tornando-se apenas lixo.

Esta experiência tão significativa dialoga intimamente com os eixos do projeto Paralapracá que, especialmente quando aborda a Organização do Ambiente, as Artes Visuais e a Exploração de Mundo, busca mobilizar os educadores para o olhar mais atento, sensível e curioso aos elementos naturais, das culturas locais, a partir do envolvimento das famílias e da comunidade, em um movimento que reconhece a escola como um espaço de vida. Da vida presente de cada criança, e não como um espaço para a preparação do seu futuro.

Paralapracá

O Paralapracá é um projeto do Instituto C&A, executado pela Avante – Educação e Mobilização Social, nos municípios: Camaçari (BA), Maceió (AL), Maracanaú (CE), Natal (RN) e Olinda (PE). A iniciativa visa contribuir para a melhoria da qualidade do atendimento às crianças na Educação Infantil, com vistas ao seu desenvolvimento integral. O projeto se desenvolve em aliança com secretarias municipais de Educação e possui dois âmbitos de atuação: a formação continuada de profissionais de Educação Infantil e o acesso a materiais de uso pedagógico de qualidade, tanto para crianças quanto para professores.

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